Páginas

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Entrevista com Canotilho

Há pouco tempo atrás se aposentou um dos maiores constitucionalistas da atualidade.O doutor J. J. Canotilho despediu-se da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra após meio século de dedicação à instituição. A sua despedida foi marcada, como não poderia deixar de ser, por uma tradicional cerimônia conimbricense. Consiste na 'última aula', que é ministrada pelo aluno mais antigo do professor homenageado.
Mais do que uma honra, posso dizer que tive o verdadeiro privilégio de ter aulas com J.J. Canotilho durante o curso de Mestrado. E mais: o privilégio de conhecer a simples e humilde pessoa que é. Trago à este post trecho de uma de suas entrevistas, em que fala do problema do ativismo judicial no Brasil. Vejamos:

ConJur — Recentemente, o senhor participou de um debate em que se discutiu o ativismo judicial. Qual a sua opinião sobre o assunto? 

J. J. Canotilho — Não sou um dos maiores simpatizantes do ativismo judicial. Entendo que a política é feita por cidadãos que questionam, criticam e apontam problemas. Os juízes nunca fizeram revoluções. Eles aprofundaram aplicações de princípios, contribuíram para a estabilidade do Estado de Direito, da ordem democrática, mas nunca promoveram revoluções. E, portanto, pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural, social, e assim por diante, é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado.  

ConJur — No Brasil, há uma enxurrada de ações e determinações judiciais para que o Estado forneça remédios para quem não pode comprá-los. Como o Judiciário deve atuar quando o Estado não põe em prática as políticas públicas?

J. J. Canotilho — As políticas públicas não podem ser decididas pelos tribunais, mas pelos órgãos socialmente conformadores da Constituição. Mas é fato que existem medicamentos raros e certa falta de compreensão para situações especificas de alguns doentes. Isso põe em causa a defesa do bem da vida. Os tribunais devem ter legitimação para solucionar um problema desses. É um problema de Justiça e o valor que está a ser invocado é indiscutível: o bem da vida. 

ConJur — O senhor afirma que as políticas públicas não devem ser decididas pelo Judiciário. Mas, uma vez que passam a representar uma demanda que a Justiça não tem como deixar de enfrentar, qual a melhor forma de equalizar esta questão?

J. J. Canotilho — O Judiciário precisa enxergar o seu papel nessa questão. Ele pode ter uma participação, mas tem que complementar, e não ser protagonista. Até porque, quando determina a entrega de um medicamento a um cidadão, ele não está resolvendo o problema da saúde. Ele não tem o poder, a incumbência e não é o mais apropriado para a solução das políticas públicas sociais. Os que são responsáveis são os órgãos com responsabilidade política dos serviços de saúde, desde o Legislativo ao Executivo.

 ------------

Sábias palavras do Doutor de Coimbra. Sua posição é marcada por uma forte inclinação à doutrina da separação dos poderes. Cada poder está revestido de uma função, composta de determinadas tarefas. Cabe a cada um cumprir suas tarefas para que sua função seja adequadamente exercida. Os juristas, e neste caso específico, os membros do judiciário, devem preocupar-se precípuamente com os fundamentos jurídicos. Não se diz aqui que os argumentos sociológicos, filosóficos e financeiros devem ser desprezados, e sim que devem ser postos em segundo plano. Essa é a função capital do poder judiciário: verificar a legalidade/constitucionalidade das normas, aplicando-as, quando possível, ao caso concreto. Os políticos, sim, devem exercer suas funções observando primariamente os argumentos sociológicos, econômicos e filosóficos. (sem esquecer dos jurídicos).



* íntegra da entrevista  aqui
* última aula aqui 

Nenhum comentário:

Postar um comentário